Na edição do último domingo, 10/11/2013, o jornal Zero Hora publicou uma extensa reportagem sobre todo o processo de redesignação sexual de Helena Soares Neves (anteriormente, Heleno). Primeiramente, gostaria de parabenizar os repórteres Larissa Roso (texto) e Bruno Alencastro (fotos) pela absoluta sensibilidade com a qual o tema e a protagonista foram abordados. Não sou jornalista, mas arrisco-me a dizer que essa foi uma das 3 melhores reportagens especiais feitas pelo jornal no ano, e certamente um ponto alto no currículo dos dois repórteres. Um tema complicado, haja visto que a questão da transexualidade ainda está cercada de muitos, mas muitos preconceitos medievais. Complicado também é pela natureza da questão, e do processo todo de redesignação sexual.
Proponho um exercício: esqueça um pouco a sua pessoa. A sua orientação sexual. Tudo aquilo que, em termos de gênero e persona sexual, você é (ou, até o presente ponto, crê ser, a vida prega suas peças). Visualize-se nu diante de um espelho, fitando sua genitália e demais caracteres sexuais. Agora, pense que, ao ver tal imagem, você simplesmente não se enxerga em essência. Ou, pelo menos, sabe que a casca não condiz com a polpa. O exterior não traduz o interior. Em suma, o corpo não encaixa com a mente. Sinta a tortura, desde a mais longínqua idade, de não ser o menino ou a menina que os pais (ou seja quem for, família não tem molde único) estão lhe criando para ser, porque, simplesmente, você sente que é o oposto (ou, como no caso de Helena, de início sentir que algo ali não está em sintonia fina, até descobrir o que realmente se passa, após muito sofrimento e dúvida). É uma prisão! E corações jovens correm livres, já se cantou. Uma alma com sede de vida não pode estar presa, ainda mais dentro de um corpo que não a representa.
Parte de um processo que tenho por filosofia de vida, o autoconhecimento, proponho um segundo exercício. Para este, similar ao anterior na execução mas diferente em propósito, peço que esqueça a questão do gênero. Foque nos seus desejos de vida, naquilo que você desejava quando muito novo, quando sua visão de mundo ainda não estava maculada pelos (naturais) acidentes de percurso e, ainda mais, pela ruindade inerente ao ser humano, que acaba por contaminar a todos nós (alguns mais, outros menos). O tema aqui é vida, história, biografia. Diante do espelho do tempo, a porção mais ingênua e pura de sua alma reconhece o que você se tornou? Será que o familar, o amigo, o cônjuge, o colega de trabalho que você é, de fato, traduz aquilo que você mais gostaria de ser? A maior parte das pessoas responderá "sim", é o reflexo defensivo do mundo adulto, onde temos que ser fortes e responsáveis por nós mesmos; admitir fraqueza e confusão não condiz com o homem ou a mulher "feitos".
Penso que a real evolução reside na diminuição, ou quem sabe até a ausência, de distância entre nossa mais pura essência e nossa imagem, seja ela a imagem que os outros têm ou a autoimagem, porque viver como um personagem não é nada produtivo e condizente com a evolução pessoal. E, claro, tudo isso alicerçado na busca constante pelo bem estar nosso e dos que nos cercam. Prejudicar a si ou ao próximo aumenta essa distância. E outro fator que aumenta essa distância é o transcorrer do tempo. Porque todo mundo quer ser "algo", vencer de alguma forma. Quando somos crianças e adolescentes, esse "algo" é preenchido por ideais e sonhos plenamente realizáveis. Mas os anos passam, e gradativamente vamos absorvendo a finitude da vida. E, ainda mais nos estressantes, neuróticos e plastificados dias atuais, tendemos a nos desesperar, a querer atalhar e, para tal, a criar cascas que não condizem com a polpa. Nunca é tarde para recuperar seu real sabor. Mas você só vai lembrar a doçura dele quando arriscar se descascar.
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