A televisão segue com sua programação
veiculada pelas vinte e quatro horas do dia, e no que tange a TV aberta, está
deveras difícil fugir da mesmice. Mas, de tempos em tempos, ocorrem verdadeiros
divisores de águas. No último dia 03 de fevereiro, foi ao ar uma entrevista de
Marília Gabriela com o Pastor Silas Malafaia. Em bom português, um embate da
sabedoria com a ignorância, para dizer o mínimo. Esse senhor usou as principais
armas daqueles que não têm como explicar o que pregam: argumentos furados,
inválidos e distorcidos, todos esbravejados em alto tom de voz. Mamãe sempre
disse: “quem grita, perde a razão”. Foi um festival de agressões à comunidade
LGBT, diminuindo todos nós atrás de palavras falsas de amor ao próximo; neste
aspecto, inclusive, o senhor Malafaia teve a pachorra de dizer que ama os
homossexuais como ama os bandidos. Conforme circulou na internet, isso seria
amor próprio (em qual das duas partes ele se encaixa, eu deixo a escolha ao
leitor, afinal a homofobia, muitas vezes, é negação de si mesmo).
Me indignou a entrevista, como a milhões
de outros brasileiros. Me indignou porque sou gay, porque faço parte de uma
minoria há séculos perseguida, que está conseguindo razoáveis avanços sociais à
custa de lutas hercúleas; lutas essas travadas contra a justiça ainda em
algumas instâncias retrógrada, contra a hipócrita sociedade brasileira, contra
argumentos recheados de ódio das partes mais fundamentalistas do universo
cristão. Mas me indignou principalmente porque foi uma demonstração do mais
irracional preconceito. O preconceito é um câncer que carcome as sociedades,
seja ele de qual espécie for. Não faltam provas históricas para tal.
Holocausto Nazista. Perpetrado pelo
bárbaro regime de Adolf Hitler, consistiu em perseguição e extermínio
sistemáticos de determinados grupos, onde sobressaem-se os judeus, mas também
incluídos os homossexuais (há séculos perseguidos, como disse acima), ciganos,
intelectuais do Leste Europeu, pessoas com deficiência mental e física, entre tantos
outros. Baseado em alguns conceitos odiosos, dentre os quais se destaca o da
eugenia (na sua variante nazista, a purificação da dita raça ariana), Hitler liderou uma cruzada que culminou em carnificina.
Inquisição. Comandada pela Igreja
Católica, consistia de várias instituições que deveriam combater ideias
contrárias aos dogmas de tal religião. Qualquer tipo de objeção, e não só as
religiosas. Tinha motivações políticas e econômicas, também. Mas, nas trevas
medievais, era fácil enquadrar alguém como herege. Era, basicamente, apenas uma
questão de acusar e, muitas vezes, inventar argumentos. A grosso modo, instalava-se
um tribunal, e o acusado muitas vezes era condenado à morte, normalmente de
forma cruel.
Apartheid. Regime de segregação racial,
com suas primeiras demonstrações datadas do período colonial, mas que vigorou
oficialmente em meados do século XX na África do Sul. Com argumentos de
proteção da minoria branca, após as eleições gerais de 1948, o eleito Partido
Reunido Nacional implantou várias leis que trataram de literalmente dividir e
lotear, em espaços específicos, o território sul-africano para brancos, negros,
de cor (mestiços) e indianos. Mais que isso, foi uma forma de proteger, com
políticas abomináveis, os interesses da minoria branca. Quem estivesse fora
desta minoria tinha serviços públicos (educação, saúde, transporte et cetera) de pior qualidade, espaços
separados para a circulação, desamparo jurídico, restrições profissionais
(empregos que poderiam obter), além de tantos outros absurdos.
Dei apenas, repito, apenas três
exemplos. Mas a história da humanidade está recheada dos mais deploráveis
exemplos de preconceito, e de toda a dor que ele causa. De todo o sofrimento, a
exclusão, a escuridão que ele impõe a quem o sofre. O preconceito nasce no medo
do que nos é estranho. E aí entra o fator educação, esclarecimento. Mas não é
somente a educação formal, científica. É a educação da alma, do aceitar o
próximo como um igual. O preconceito nasce na patética necessidade que o ser
humano tem de rotular aquele que, na sua visão, não faz parte do seu grupo.
Porque um rótulo não é uma identificação de um grupo. Um rótulo é um julgamento.
Existem grupos de interesse comum na humanidade, claro. Isto é uma parte
saudável da natureza humana. Pessoas que gostam de um determinado tipo de
música se identificam. Pessoas que torcem por um determinado time esportivo se
identificam. Pessoas que possuem um determinado credo religioso se identificam.
Interesses em comum. Mas o seu interesse é apenas diferente do interesse do
outro, dentro da mesma espécie de interesse. Não é melhor nem pior. É
diferente, e só. Você tem que respeitar isso.
Convivemos todos os dias com o preconceito.
Inclusive, mesmo as mentes mais abertas e livres incorrem em algum preconceito,
aqui e acolá. Mas há de se fazer um esforço para eliminarmos toda e qualquer
forma de ódio do nosso dia-a-dia. É um exercício de contágio, eu diria. De
mostramos que não é certo odiar o seu semelhante humano por fatores tão
pequenos, tão bestas. Pare de apontar dedos, e olhe-se no espelho. Você tem uma
determinada cor de pele, mas aquele que tem uma cor de pele diferente da sua é
da mesma espécie (esqueça essa baboseira de raças). Você crê em uma determinada
religião, mas aquele que segue outra religião tem o mesmo direito que você de
segui-la livremente. Você gosta de fazer sexo com o gênero oposto, mas aquele
que gosta de fazer sexo com o mesmo gênero tem o mesmo direito que você de
expressar sua afetividade. A humanidade só evolui quando agrega. Quando
segrega, se destrói. De boas intenções, o inferno está cheio. O que determina,
no final, o repúdio ao preconceito são os bons atos. E os bons ensinamentos.
Porque preconceito é coisa que se ensina, se multiplica. Se você parar de dizer
que funkeiro é bandido, aos poucos esta postura se dissemina ao seu redor.
Assim funcionará com tantos outros burros estereótipos: o gay promíscuo, o roqueiro
toxicômano, a modelo anoréxica, o seguidor de religiões afro praticante de
magia negra, a loira burra, o baiano preguiçoso... Rótulos, julgamentos
estúpidos. E julgamento não se faz senão na esfera judiciária, obviamente.
Embasada em preceitos legais, que prezam a igualdade. Porque somos iguais.
Independente de cor de pele, religião, sexo, orientação sexual, nacionalidade e
naturalidade, idade, classe social. Enquanto espécie, volto a frisar: que paremos de apontar
dedos, e olhemos mais para o espelho. No momento que nos preocupamos mais com
como somos para o universo que nos cerca, melhoramos para o universo que temos
dentro de nós. Algo lhe parece diferente? Não ouça a palavra de ódio que algum
acéfalo da cercania provavelmente vomitará. Pare, observe, conheça. O estranho
só é estranho quando está lá; quando chega aqui ou quando vamos até ele, vira
mais um de nós. E a união, além de adoçar a vida fazendo açúcar, faz a força.
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