quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Cacos


Você ganha um belo vaso, exemplar raro da dinastia Aquela-Mesma. Você o quis, talvez; ou ainda pode tê-lo ganho por acaso. Mas desenvolve um apreço gigante por aquela linda peça decorativa. E você ganha elogios por tão belo item que adorna tua morada. E você desenvolve ainda mais apreço, pois as palavras inflam o teu ego, fazem com que você se sinta sempre bem em função daquele item que embeleza tua existência.

Mas aí as coisas começam a ficar engessadas. A casa prestes a ruir, nada mais no entorno importa, somente o belíssimo vaso. Parado, cada vez mais gelado (e congelante), mas belo. Porque te dizem que é belo. Porque você um dia achou belo (ainda que, entre quatro paredes, com a cabeça deitada no travesseiro, você já não veja mais tanta beleza). Mas a beleza da reputação dele é a sua beleza, ao menos é o que dizem.

E a casa caindo... E o mundo acinzentando... Mas o vaso está lá. Até que sobra você e o vaso. Belo vaso. Lindíssimo vaso, não é o que sempre te disseram? Beleza ofuscante. Ofuscou tua vista. Te botou uma tapa de cavalo, não mais olhou para os lados, porque é um belo vaso. Um Sol no teu céu. Mas o Sol cega se muito o mirares.

Antes da cegueira, as lágrimas, abundantes. A dor, lancinante. E você, num átimo, num acesso de Rainha de Copas louca por decapitações, decide: é hora de quebrar a porra do vaso! Foda-se sua beleza! Foda-se a beleza que todos dizem que ele tem! Agora ele te é horroroso! E você quer apreciar belezas de novo... Que venham novas belezas.

Cacos de um vaso... Restos de uma beleza... Morta beleza, feita em pedaços. Mas uma percepção segue íntegra: a de que beleza não tem um só conceito. Não tem só um jeito. Beleza é o imperfeito. O estranho, torto, esquisito cotidiano. Beleza é você, é eu, é tudo. É tanta coisa. Tantos vasos. Talvez um vaso de barro, simples. Mas se ele te é belo, isso que importa.

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